Filhos de Viriato
sábado, novembro 29, 2003
  Ontem a S., namorada do V., perguntou-me no gozo "como e’ que eu tenho pachorra para o aturar?". Não pude deixar de sorrir, e no entanto ambos sabemos qual e’ a resposta. Utilizando a filosofia de ponta-e-mola típica deste blogue proponho a seguinte analogia: tal como todas as pessoas, a resposta passa pelas mesmas razões que nos levam a comprar televisão por cabo. De modo a podermos usufruir dos canais de qualidade, temos que chupar com os canais de treta. E no fundo, o V. apesar dos ocasionais canais de treta, acaba por ter canais de grande qualidade – alguns deles evidentes no seu blogue. 
  Voltei aos Filhos de Viriato. Num ataque de depressão apaguei o meu outro blogue "Marte", apaguei tudo, porque eu raramente tomo decisões a meio-gás. Mas recuperada a sanidade e assumida a parvoíce, acabei por copiar alguns dos posts aqui para o filhos. No entanto existem males que vem por bem, e estou satisfeito pelo retorno ao meu primeiro blogue. 
sexta-feira, novembro 28, 2003
  Tal como boa parte das democracias modernas, a Portuguesa e’ uma simples meritocracia onde o "povo" escolhe entre iguais. Escolhe entre maçãs Macintosh e maçãs Granny Smith. A composição da amostra e' dominada por uma classe media culta que domina Portugal; invariavelmente saída de Lisboa ou Porto. A ditadura dos Doutores e dos Professores, a ditadura daqueles que tiveram a felicidade de uma educação mais privilegiada, no entanto diferencia-se de outras democracias onde o sistema tendencialmente apoia aquele que foi capaz de atingir uma posição de destaque económico apesar das suas origens sociais mais humildes. Enquanto que em Portugal se favorece o sucesso académico, noutros países favorece-se o sucesso económico e social. 
  Dentro de um ano, Portugal vai receber o campeonato da Europa de futebol (também conhecido por Euro2004). Este acontecimento desportivo de grandes dimensões, levou ‘a construção de inúmeros recintos desportivos num pais cujas carências estruturais ainda são evidentes. Apesar desta opção de prioridades do estado português ser surpreendente, existe algo de historicamente consistente neste projecto. Confrontado com um estado de semi-crise, incapaz de cumprir as promessas dos últimos 15 anos de que finalmente Portugal se ia tornar num pais verdadeiramente europeu, foi implicitamente decidido pela elite politica a realização de mais uns "jogos" nestes recem-construídos “Circus Maximus” do desporto. Na falta de leões e elefantes, arranjaram-se jogadores e árbitros, e a bem da civilidade europeia dos nossos vizinhos, a tourada deu lugar ao futebol. 
  Em Portugal confunde-se a ideia de debate, com a manifestação de simples opiniões. Confunde-se a ideia de um bom argumento, com o uso indiscriminado de adjectivos e advérbios . Discute-se política como de futebol se tratasse. E de facto não por acaso que o lideres políticos se confundem cada vez mais com os lideres desportivos. Razões há muitas, mas a mais significativa e’ talvez o actual vazio ideológico de boa parte dos partidos. Tal vazio levou ao esvaziamento politico dos políticos portugueses. E porque falar e’ fácil aqui vai um exemplo paradigmático:

TSF; 30/04/2002 (escolha aleatória de um discurso de Francisco Louçã)

(...) Contra a criação desta Comissão Eventual de reforma do sistema político está o Bloco de Esquerda ( BE ) que, pela voz do deputado Francisco Louçã , fala de uma
«negociata entre PS e PSD».

«É preciso uma reforma do sistema político que o qualifique. A Comissão Eventual é um fingimento, é um ritual de casamento que o PS e PSD encobrem fingindo que vão de mente aberta fazer o grande consenso e que nos pedem que sejamos um pau de cabeleira por uma grande operação de encobrimento», denuncia Francisco Louçã. 
  O povo português e’ pacato e generoso, sem grandes tradições de violência ou ódios fáceis. Mas e’ exactamente nesta tradição de brandos costumes que se manifesta uma das mais obvias esquizofrenias deste pais. Incapaz de assumir o seu racismo latente, o Português evita cair na discriminação activa - pois vai contra os seus princípios de passividade, transformando-a num exemplo clássico de paternalismo étnico ou social. Um bom exemplo e' o modo como os Portugueses regra geral encaram Timor-leste. Neste caso a generosidade, por vezes confunde-se com a esmola da arrogância ou sobranceria. 
  Resistentes de um Portugal pré-europeísta, os vendedores de castanhas são um dos últimos símbolos de um pais pré-comunidade europeia, pré-telefones celulares, pré-centro comercial Colombo. Um pais onde PCP ainda tinha uma real expressão, o PS ainda levantava o punho com a arrogância de estar certo, o PPD ainda falava em nome dos trabalhadores. Um pais onde só existiam dois canais públicos de televisão, sem Big Show SIC ou sem Big Brother, mas com o Zé Gato ou o Duarte e companhia. Um pais materialmente mais pobre, a tocar o terceiro-mundista, mas onde o bigode de Artur Jorge ainda era visto como um símbolo de moda, sapiência e cultura.  
  O sucesso das grande superfícies em Portugal e’ surpreendente tendo em conta o clima temperado do nosso país. País solarengo, de temperaturas geralmente aprazíveis, seria de esperar que o verdadeiro "centro comercial" de Lisboa fosse a Baixa ou a avenida de Roma. Tal e’ ainda mais surpreendente quando se compara com os hábitos dos Londrinos, onde Oxford street ainda e’ o verdadeiro templo do consumismo de Londres.

As razões do sucesso dos grandes centro comerciais vão portanto alem da simples conveniência. De facto eles são verdadeiros espaços de lazer. O desaparecimento da cultura de café e a acomodação a um tipo de serão dominado pela televisão (novelas, etc.), levou a um subsequente isolamento do "casal". O centro comercial apresenta-se assim como uma alternativa fácil, capaz de dar a ilusão de uma qualquer vida social, e acima de tudo capaz de gerar tema de conversa que vai para alem da fraldas da criança ou da necessidade de comprar papel higiénico.
 
  Tentar narrar um evento histórico através da história pessoal de familiares e’ necessariamente uma aproximação cheia de perigos. Tenta-se explicar o todo a partir da parte, fazem-se generalizações e insinuam-se conclusões a partir de um número restrito de factos. No entanto, com os devidos cuidados, tal aproximação tem o potencial de dar uma incomparável dimensão humana aos indivíduos envolvidos. A história ao humanizar-se, ganha cor e alma, ganha a paixão e o desespero daqueles que a fizeram. Um bom exemplo e’ o documentário “Sob céus estranhos” de Daniel Blaufuks. Este documentário conta a história de milhares de judeus que durante a segunda guerra mundial usaram Lisboa como porto de saída da Europa. O esqueleto narrativo do documentário baseia-se na história da família do realizador, que iniciou o mesmo exílio mas que acabou por se instalar em Lisboa. Fala-se com paixão das memórias colectivas de uma família, mostram-se fotografias e vídeos, narram-se pequenos eventos, e no entanto consciente da miopia conceptual deste projecto o realizador consegue com uma enorme sensibilidade intercalar este material com outros registos históricos. Transformando-o num verdadeiro registo de uma época, capaz de dar um visão de conjunto sem no entanto perder a empatia emocional criada quando a história possui nomes e faces. 
  Fora da blogosfera o Pipi e’ provavelmente a personagem mais mediática, no entanto dentro dela a individualidade mais conhecida e’ sem duvida a Zazie. Omnipresente em qualquer janela de comentários, a Zazie e’ uma nómada, deambula de blog em blog, faz-se notar, escreve pequenos posts em cada comentário que faz, e esporadicamente ate' escreve posts em blogues que lhe servem de portos de abrigo para ocasionais ataques de sedentarismo.

Por vezes especulo porque será que a Zazie não tem um blog, mas rapidamente compreendo que tal não faria sentido. A Zazie e’ a cigana da blogosfera; caminha de terra em terra com a sua carroça, o seus dois cães, faz pequenos biscates, apanha umas borracheiras, foge dos agentes da autoridade e no entanto e’ na falta de raízes e responsabilidades que ela aparentemente se sente livre. Por vezes, muitas vezes, invejo-a... 
segunda-feira, novembro 03, 2003
  Texto dedicado a 100nada

Nova Iorque e’ uma cidade cheia de surpresas, onde podemos encontrar o espectro completo da raça humana. Deste a pessoa mais interessante e generosa, até a pessoa mais desprezível e odiosa. Faz mais de um ano, andava eu a deambular pela west village, quando fui abordado por um velhote que me perguntou se eu queria um café. Parecia um velhote respeitável, tinha piada, sorria de orelha a orelha, e contrariando todos os ensinamentos da minha mãe segui-o escadas abaixo em direcção ‘a cave. Foi obviamente uma estupidez, mas ao entrar na sala percebi que se tratava de um sinagoga e que o velhote simpático era um Rabi. Informaram-me que tinham acabado de terminar a refeição do Sabbath e como era da tradição, estavam agora a convidar estranhos com quem queriam compartilhar a comida. A sala tinha no máximo 7 ou 8 pessoas, de idade avançada, que me perguntaram de onde eu era, o que estava a fazer em Nova Iorque, se era judeu. Um deles estava a tocar violoncelo no fundo da sala, pouco disse, até que de repente me pediu uma sugestão, uma ideia sobre o que deveria tocar. Hesitei, mas após uma insistência, lá atirei um pedido para o ar. Respondeu com um ligeiro sorriso de aprovação. Meteram conversa comigo, eu meti conversa com eles, quase todos oriundos dos países de leste, organizavam concertos de jazz ‘as quintas-feiras, alguns tinham passado por Lisboa ou conheciam Portugal. Foram atenciosos e quando decidi que era tempo de partir, convidaram-me para o seu próximo concerto de jazz. “E’ no primeiro andar” - disse o Rabi - ”mas toca a campaínha com insistência porque por vezes não a ouvimos”-. Disse adeus, que ia aparecer no proximo concerto, mas nunca mais voltei.

E deste modo se constroem as memórias de uma pessoa...

Attila 
domingo, novembro 02, 2003
  O meu porto de abrigo

foi sempre este blog. Aqui, noutro fuso horário, fora do meu tempo.
O Attila abriu a porta do Filhos de Viriato e convidou-me a entrar. Disse-me, podes tirar os sapatos e por os pés em cima da mesa. E, em dias de tempestade, eu entrava, gelada, encostava-me à porta e via uma lareira acesa.
E sentia-me finalmente em casa.
Para mim nunca será uma casa abandonada e assombrada. É uma casa escondida numa floresta, uma casa aonde regresso sempre. Sei que ao lado da lareira há lenha e fósforos e que me posso atirar para cima do sofá com uma manta e ficar assim, só a pensar que, não fora a gentileza do Attila, não fora este blog, eu já tinha ido embora há muito tempo.
Obrigada.

100nada 
Atila, "um ateu optimista" - porque não acredita em deus, mas espera estar errado -, quer fazer uma página de ideias e debates rápidos, ricos em colesterol e gorduras saturadas; pois a unanimidade só se obtêm na base do medo, do interesse, ou da alienação activa de quem discorda. Participação especial de 100nada e Adamastor (a pessoa mais furiosa de Lisboa).

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